Artigo: desigualdade letal no DF

Raissa Rossiter*

A desigualdade no Distrito Federal é mais do que um conceito econômico. É uma realidade aviltante que impacta diariamente a vida de milhares de pessoas. Acompanhamos, consternados, a tragédia acontecida há poucos dias em Planaltina, onde cinco mulheres da mesma família — mãe e avó de 43 anos, filha e três netas — morreram em um incêndio em um barraco. Esse é mais um exemplo doloroso de como a desigualdade pode ser letal.

Em áreas de extrema pobreza, como em muitas ocupações irregulares do DF, as moradias são construídas com materiais improvisados, como papelão, lonas, madeiras e barras de ferro. Segundo a Secretaria DF Legal, existem 37 áreas no DF consideradas prioritárias para monitoramento devido ao alto risco de invasões e ocupações irregulares. Nessas áreas, a precariedade das condições de vida torna as tragédias praticamente inevitáveis.

O Mapa das Desigualdades do Distrito Federal de 2023, elaborado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), revela que as mulheres negras são as mais afetadas pela falta de moradia digna, enfrentando a insegurança habitacional e a ausência de saneamento básico. Essas mulheres, muitas vezes chefes de família, estão em maior risco de sofrer acidentes e desastres, como o que ocorreu em Planaltina.

Além das dificuldades habitacionais, o relatório do Inesc destaca as profundas disparidades de gênero e raça que permeiam a sociedade do Distrito Federal. Mulheres negras enfrentam índices elevados de violência, menor acesso a serviços de saúde e educação de qualidade, e estão subrepresentadas em posições de poder. A taxa de desemprego entre jovens negros de 18 a 24 anos é de 29%, comparada a 18% entre os jovens brancos.

As injustiças de gênero e raça se entrelaçam, criando um ciclo vicioso de exclusão que perpetua a pobreza e a violência. O Distrito Federal, unidade federativa que ocupa o quarto lugar em ranking de desigualdade do país, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2021, reflete essa realidade perversa em que as mulheres negras são as principais vítimas.

É especialmente paradoxal que, segundo dados do IBGE de 2022, o Distrito Federal tenha a maior renda domiciliar per capita do Brasil, superando todos os 26 Estados e exibindo o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país.

No entanto, a concentração de renda e a disparidade no acesso a serviços básicos, tornam o DF um dos lugares mais desiguais do Brasil, acentuando as dificuldades enfrentadas pelos grupos mais vulneráveis. Diante desses indicadores, como não refletir que essa situação de extrema desigualdade só pode ser enfrentada com medidas governamentais voltadas especificamente para aqueles que mais precisam?

A disparidade econômica no DF é também refletida de maneira gritante em sua configuração territorial. O Distrito Federal é composto por 35 regiões administrativas, todas dependentes do Governo do Distrito Federal.

Dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad), da Codeplan, de 2021 mostram que essas regiões estão divididas em quatro “grupos de renda”, com a mais rica delas sendo a menos populosa.

Essa concentração de riqueza em regiões específicas, em contraste com a alta densidade populacional das áreas mais pobres, evidencia a necessidade urgente de políticas territoriais que abordem os contrastes regionais e promovam uma distribuição mais equitativa de recursos públicos e oportunidades.

O drama humano ocorrido em Planaltina é reflexo de um sistema que perpetua abismos sociais e econômicos e deixa as pessoas mais vulneráveis expostas a riscos desumanos. É urgente a implementação de políticas públicas que enfrentem situações de gritante injustiça social, considerando as múltiplas dimensões de gênero, raça, classe social e idade, entre outras.

A desigualdade no Distrito Federal não pode ser ignorada ou naturalizada. Cada vida perdida, cada sonho interrompido, é um lembrete da urgência de enfrentar essa realidade com políticas de reparação — dirigidas a regiões e grupos sociais mais vulneráveis — e ações concretas. O tempo para agir é agora.

*Socióloga, especialista em direitos das mulheres. Foi Secretária-Adjunta de Políticas para Mulheres, Direitos Humanos e Igualdade Racial do Distrito Federal.

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