Desoneração com dinheiro esquecido gera polêmica e dúvidas

O projeto de lei que trata das medidas de compensação para a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e municípios, após a aprovação pelo Legislativo na noite de quarta-feira, seguiu ontem para a sanção presidencial. Contudo, o texto conta com um trecho polêmico que autoriza o governo utilizar recursos esquecidos em contas bancárias por pessoas físicas e jurídicas que ainda não foram reclamadas pelos titulares.

A estimativa é de que o uso desse recurso parado nos bancos seja capaz de arrecadar R$ 8,5 bilhões para ajudar no cumprimento da meta fiscal de deficit zero neste ano. Ao todo, as medidas de compensação previstas na proposta precisam cobrir uma renúncia fiscal estimada em R$ 25 bilhões apenas em 2024, com a prorrogação do benefício.

O uso do dinheiro esquecido foi alvo de embate de governistas com parlamentares de oposição, que obstruíram a sessão contestando a constitucionalidade da medida. Para deputados contrários ao governo, a medida se trata de “confisco” e “expropriação”. “O governo vive no deficit, precisa zerar a meta fiscal e vai colocar o dinheiro do povo ali como se fosse receita primária. A gente sabe que não é receita primária. É muito triste o que está acontecendo, estão metendo a mão no nosso dinheiro”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

A oposição afirmou que questionará o trecho junto ao Supremo. “Se a pessoa não reclamar o valor esquecido em até dois anos, ele entra para o patrimônio público. Isso é confisco, que é proibido pela Constituição Federal, isso é gravíssimo. Se o beneficiário tiver dificuldade em acessar o sistema, uma pessoa, idosa, doente, fora do país, cujo advogado abandonou a causa, essa pessoa vai sofrer um dano irreparável”, destacou a deputada Bia Kicis (PL-DF).

Em nota técnica, o Banco Central defendeu a rejeição do trecho, argumentando que esses valores não poderiam ser registrados como receita primária. O texto foi relatado em Plenário pelo líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), que apresentou uma emenda de redação para resolver o impasse sobre a contagem do dinheiro de depósitos esquecidos no cálculo do resultado fiscal. “As contas esquecidas devem entrar para efeito contábil, não para o primário do governo”, explicou.

A nova regra prevê que os cidadãos terão 30 dias após a publicação para retirar o dinheiro esquecido. Passado esse prazo, os valores poderão ser incorporados pelo Tesouro. De acordo com o texto, após a apropriação pelo governo, o Ministério da Fazenda terá que publicar no Diário Oficial um edital relacionando os valores recolhidos, o banco, a agência e o número da conta onde eles estão depositados.

O titular da conta terá 30 dias para contestar o recolhimento do valor pelo governo. Esgotado esse prazo, os valores recolhidos não contestados ficarão incorporados de forma definitiva ao Tesouro Nacional. O titular dos recursos ainda terá seis meses para requerer judicialmente o reconhecimento de direito aos depósitos.

Apesar de estabelecer esses prazos, o projeto também está previsto que os valores que já foram para o Tesouro poderão ser solicitados diretamente às instituições financeiras até o dia 31 de dezembro de 2027, mas não há detalhes sobre como esse processo será intermediado.

Segundo o advogado Ranieri Genari, especialista pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), a “medida é legal”, apesar de denotar “certa imoralidade da administração pública”. “A própria autoridade monetária precisou alertar o governo e os deputados de que a forma como o texto estava, ao considerar o dinheiro esquecido como receita orçamentária primária, ia em desacordo às boas práticas de contabilidade pública. Em outras palavras, seria o mesmo que forçar o Banco Central a promover, de forma artificial, registros de superavit primário”, avaliou.

Entre as fontes de compensação foram incluídos ainda precatórios não resgatados no prazo de dois anos e depósitos judiciais que também não tenham sido retirados, dispositivo que também foi fortemente criticado pela oposição. As demais medidas para compensar a renúncia fiscal preveem a utilização de recursos da taxação de compras internacionais, repatriação de recursos do exterior, pente-fino em benefícios sociais, regularização de ativos, além de renegociação de multas de agências reguladoras.

O texto aprovado pelos parlamentares prevê a retomada gradual da reoneração a partir de 2025, com alíquota crescente, partindo de 5% até 20%, com o fim da desoneração da folha, em 2028. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considerou uma vitória a construção de consenso em torno do tema.

“Foi muito difícil. Foram mais de 10 anos tentando rever isso e ninguém conseguia. Agora, chegou o momento envolvendo o Supremo Tribinal Federal (STF), o Senado e a Câmara. Chegou o momento de pôr ordem nesse programa, que custou mais de R$ 200 bilhões”, disse o ministro, ontem, em entrevista para a Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

A desoneração é uma política que teve início em 2012. Com o objetivo de incentivar a contratação, a contribuição previdenciária de 17 setores foi substituída por um percentual do faturamento. Em vez do empresário pagar 20% sobre a folha de cada funcionário, paga de 1% a 4,5%, da receita. Esse tema se arrasta desde novembro do ano passado, quando o presidente Lula vetou integralmente o projeto de lei estendia o benefício fiscal até 2027. O Congresso, então, derrubou o veto e o governo recorreu ao Supremo para solucionar a questão.

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