VAR no surfe? Português cria sistema para medir ondas gigantes e revolucionar modalidade; entenda

Paredões, prédios, tsunami e bombas. Esses são alguns dos termos utilizados para caracterizar ondas gigantes. Dependente da natureza em 100% para sua prática, o surfe é um dos esportes que mais tem tido visibilidade nos últimos anos, principalmente, após começar a fazer parte dos Jogos Olímpicos em 2021. A modalidade “Big Wave” é uma que tem se destacado devido enormes swells — ondulações geradas no oceano — e fotos impressionantes de atletas em pé diante de, pelo menos, 15 metros de altura de água. Lucas Chumbo e seu xará, Lucas Fink, especialistas na modalidade, partiram no início da semana em direção ao Havaí, nos Estados Unidos, na caça das ondulações.

Por lá, na última quinta-feira, Fink pegou uma onda que chocou os locais. Ele, que surfa categoria skimboard — em cima de uma prancha leve e fina e em ondas rasa — enfrentou o mar de Jaws, na ilha de Maui. Ele contou ao GLOBO como funciona a logística para encontrar as grandes ondas ao redor do mundo.

— Acompanhamos o swell que estava chegando pela costa do Pacífico. Estávamos de olho desde os primeiros dias de dezembro, são vários sites que acompanhamos para ver as previsões. Mas é aquilo, mesmo faltando só um dia a gente nunca sabe o que está certo. Sabemos que tinha algo a caminho, viemos viajando para cá até decidir o melhor lugar. É um jogo de incertezas, mas que é muito recompensador se der certo. A gente vem para missão sem um plano definido, já que estamos perto, fica mais fácil — falou ele, que pode partir em direção a Mavericks, na Califórnia, Estados Unidos, para aproveitar o restante do mesmo swell, assim como fez no ano passado.

Carlos Burle, um dos pioneiros da modalidade, se reuniu com a dupla para dar conselhos antes da viagem e indicou que a ondulação teria as condições esperadas após estudar sua formação.

— Recentemente tive uma reunião com o Chumbo, ele estava voltando para o Brasil com a família, e decidimos juntos que seria melhor ele ir para o Havaí. O mesmo fiz com o Fink, disse que ele precisava ir. É uma coisa rara surfar uma onda gigante, isso não acontece todos os dias. Eu gosto muito de ler mapas, não só os gráficos. Gosto de entender como as massas de ar frio e quente se movimentam e provocam as ondas, e onde elas vão chegar. Fico realizado vendo essa nova geração fazendo isso — falou ao GLOBO.

Assista à onda de Fink:

Reproduzir vídeo

Sair do vídeo

Título: Lucas Fink surfa onda gigante em Jaws, no Havaí

Subtítulo: O Globo – Esportes

10

10

Assistir agora

Pular Resumo Pular Abertura Pular anúncio

Assistir do início

Reproduzir

–:–/–:–

AGORA

Use as teclas

para avançar

Silenciar som

Minimizar vídeo

Espelhar em outro dispositivo

Tela cheia

Apesar do ânimo dos atletas e da dedicação na caçada as séries, a categoria tem um dilema crônico em sua prática: a medição exata do tamanho da oscilação surfada. Mas, para este segundo caso, há uma solução diretamente de Nazaré, em Portugal, um dos berços mais famosos desse tipo de ondulações.

Essa precariedade na medição das ondas colabora para uma adversidade em campeonatos para conclusão de notas e no registro das marcas históricas. Por isso, o oceanógrafo do CoLAB +ATLANTIC Luis Pedro Almeida criou a ferramenta Big Wave Tracker, que funciona como uma espécie de VAR (Video Assistant Referee) — tecnologia que auxilia os árbitros de futebol a tomarem decisões mais precisas em lances decisivos.

Nascimento da ideia

A ideia surgiu a partir de uma conversa com um colega sobre possibilidades de medição com stereo-vídeo — uso de duas câmeras para captar imagens de ângulos diferentes e calcular a profundidade — e o LiDAR — ferramente que emite pulsos de laser para medir distâncias precisas, mapeando o ambiente em 3D —, tecnologias comprovadas cientificamente.

— Surgiam controvérsias sobre como as alturas das ondas eram medidas pela WSL. No final de 2020, a própria WSL produziu um relatório científico para decidir entre os surfistas Maya Gabeira e Justin Dupont quem havia surfado a maior onda do ano na Nazaré. O relatório, elaborado por cientistas e especialistas em medições de ondas, destacou a dificuldade de determinar qual onda era maior utilizando apenas fotografias e filmagens, pois essa abordagem tornava subjetiva a identificação da base e da crista da onda — contou Almeida ao GLOBO.

Diante disso, foi apresentado um projeto a António José Correia (Tozé), da Fórum Oceano e ex-prefeito de Peniche, conhecido entre os surfistas como “the coolest mayor on tour”; Walter Chicharro, então prefeito da Nazaré; e Francisco Spínola, da WSL Europa. No entanto, a execução não seria tão simples de ser feita, principalmente por não haver nenhum investidor.

— Os primeiros passos do projeto foram dados em 2021, sem financiamento, e o esforço e a persistência das pessoas envolvidas foram fundamentais. Eu e meu aluno de doutorado, Matheus Vieira, começamos a realizar medições na Nazaré com um par de câmeras GoPro. Embora os resultados iniciais tenham sido promissores, logo percebemos que, para medir ondas gigantes, seria necessário um equipamento capaz de captar ondas a distâncias maiores.

Além desta primeira barreira, o objetivo principal, que era a medição, seria o principal desafio a ser enfrentado. Alturas superior a 15 metros eram vistas como um “dilema universal para a oceanografia e a engenharia”, já que equipamentos tradicionais, como boias ou outros tipos de sensores não operam de forma adequada em condições de alta turbulência.

As medições começaram a ser realizadas por meio de fotografias e filmagens feitas por fotógrafos profissionais, utilizando uma abordagem geométrica simples: a dimensão do surfista ou do jet ski na imagem é usada como escala. A partir daí, é possível definir visualmente o ponto da base e da crista da onda, assim, a altura é determinada somando o valor da escala entre a base e a crista da onda.

Como funciona?

Com isso, surge a ideia de medir a superfície do oceano em 3D ao longo do tempo. Esse método permite mensurar ondas extremas sem a necessidade de estar fisicamente no local, a uma certa distância, e determina de forma objetiva a altura das ondas, onde a base e a crista correspondem aos valores mínimos e máximos extraídos diretamente dos dados.

Em 2022, o projeto passa a ser financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A partir da verba disponibilizada, o primeiro protótipo do Big Wave Tracker foi criado. No entanto, o ano de 2024 traça um momento delicado para os idealizadores, pois o investimento não deve ser renovado. Luis Pedro Almeida acredita que, por já comprovar a funcionalidade científica, o momento é de buscar ajuda de capital privado e indústrias.

— Na prática, ele também está abrindo novos horizontes científicos, tanto no desenvolvimento tecnológico quanto no estudo dos processos que dão origem a essas ondas — disse o oceanógrafo — o projeto utiliza tecnologia de estereoscopia por vídeo que consiste na utilização de um par de câmeras alinhadas que medem a mesma superfície do oceano a partir de ângulos diferentes — descreveu ao GLOBO.

Com o avanço do instrumento, o surfe seria impacto em diversas formas. Atualmente, o aparelho ainda é pouco utilizado, tendo apenas uma amostra instalada no Forte de São Miguel Arcanjo, em Nazaré, Portugal. E, caso introduzido, pode auxiliar a diminuir decisões erradas na prática da modalidade.

— Aqueles que desafiam as ondas gigantes da Nazaré colocam suas vidas em risco constantemente, onde uma única decisão errada pode levar a consequências fatais. Esses atletas são altamente preparados, assim como suas equipes. As possibilidades são inúmeras, mas é crucial que esse processo de integração tecnológica seja feito de forma cuidadosa e colaborativa, incluindo a opinião e as críticas dos surfistas e de todos os envolvidos no esporte — completou Almeida.

Carlos Burle salienta que a criação do aparelho pode ajudar a transformar o esporte.

— Acho muito legal, porque a ferramenta parece ser bem específica para surfistas de onda grande. Todo dia eu faço essa leitura usando essas ferramentas, é uma decisão muito prazerosa do meu dia — disse ao GLOBO.

O surfista Lucas Fink também pensa na mudança da modalidade e como a ferramenta pode ser útil no cotidiano.

— Acho que vem para somar. Vai ajudar em todos os esportes, mas no surfe de ondas grandes principalmente. Vamos conseguir aproveitar melhor essas missões. Além de ter mais precisão nos dados, impactar mais com essas informações, e é algo muito carente na categoria.

Deixe um comentário

Nome *
Email *
Site