Rock in Rio completa 40 anos. E se o mundo fosse o de 1985 outra vez?
“O tempo no Rio: nublado, ocasionalmente claro, com possibilidade de chuvas esparsas ao entardecer. Máxima de ontem, 27 graus em Santa Cruz. Mínima; 15,7 no Alto da Boa Vista”. Corta para: “Sol e aumento de nuvens de manhã. Pancadas de chuva à tarde. À noite o tempo fica aberto. Mínima de 20, máxima de 30.” A previsão do tempo para o Rio em 11 de janeiro de 1985 (uma sexta-feira), impressa na capa do GLOBO daquele dia, e a do Climatempo para hoje, exatos 40 anos depois, nem são tão diferentes. Outro assunto de destaque na primeira página, além do ministério de Tancredo Neves (que não chegaria a assumir a presidência), era um mapa algo rudimentar com instruções para uma tal Cidade do Rock, em Jacarepaguá (na época ninguém ousava chamar de Barra da Tijuca).
— Olhando agora, 40 anos depois, eu não sei como aquilo foi possível — lembra o publicitário Roberto Medina, que hoje ocupa o cargo de presidente do Rock in Rio e na época comandou o evento no terreno emprestado por um amigo (hoje um condomínio, de cuja construção foram retirados alguns metros cúbicos de terra, vendidos que nem água no festival de 2024 como tufos da lendária lama do festival), à frente de “um exercitozinho de Brancaleone”, em sua definição.
Medina é o primeiro a destacar os mundos diferentes de 1985 e 2025.
— O telefone era um horror, uma chiadeira — lembra ele. — Não tinha computador, celular, nada disso, era tudo analógico. A região era praticamente rural.
Mesmo em 1985, o lamaçal em que se transformou a Cidade do Rock depois de dez dias consecutivos de festival incomodava seu criador:
— Eu andava horrorizado, e as pessoas me abraçavam, felizes, no meio da lama toda.
De fato, o planeta era outro 40 anos atrás. As pessoas compravam seus ingressos para o Rock in Rio (que comportava 250 mil pessoas em uma noite, duas vezes e meia a lotação atual) no Banco do Brasil, na boca do caixa, impressos. Em outubro, eles saíam a Cr$ 18 mil, aumentando para Cr$ 19 mil em novembro e Cr$ 20 mil a partir de dezembro. Em um cálculo rápido com ajuda do site do Banco Central, os Cr$ 20 mil de 1985 corresponderiam a R$ 102 hoje (IPCA) — sendo que a inteira em 2024 saía a R$ 795, quase oito vezes mais. Já o salário mínimo era de Cr$ 333 mil em janeiro de 1985, ou seja, a entrada para o festival saía a cerca de 16% do salário mínimo (na época não havia meia-entrada). No Rock in Rio 40 anos, o ingresso inteiro valia 56% do então salário mínimo, de R$ 1.412.
Existem, é claro, muitas outras comparações — como, para ficar nas mais rudimentares, a estrutura da Cidade do Rock atual, incomparável com a savana de 1985, e o número de atrações. No primeiro Rock in Rio, o público via, em média, seis shows por noite; no ano passado, era possível assistir a 20 atrações num rolê por Curicica.
Uma tanguinha e uma pena
A tarefa de abrir o festival coube a um artista não necessariamente roqueiro.
— Chamei o Ney Matogrosso porque ele é um cantor maravilhoso, não porque fosse roqueiro ou outra coisa — lembra Medina. — Minha ideia sempre foi um festival grande, para a família, jamais um evento de nicho.
Seminu, com o corpo esguio que mantém até hoje, Ney, aos 43 anos, homenageou o continente ao abrir seu show com “América do Sul”, de Paulo Machado, que gravou no disco “Água do céu — Pássaro”, de 1975.
— Era um público do heavy metal e eu começo com uma tanguinha de pele de onça, uma pena de gavião-real na testa, um gel de purpurina dourado pelo corpo — lembrou Ney após a volta ao festival em 2024, em entrevista ao GLOBO. — Estranharam. Mas eu chutei tudo de volta e toquei meu barco. Fiz o show todo.
Reproduzir vídeo
Sair do vídeo
Título: Globo e Rock in Rio dão vida a fotos históricas do festival
Subtítulo: O Globo – Cultura
10
10
Assistir agora
Pular Resumo Pular Abertura Pular anúncio
Assistir do início
Reproduzir
00:00/00:45
AGORA
Use as teclas
para avançar
Silenciar som
Minimizar vídeo
Espelhar em outro dispositivo
Tela cheia
O economista Gustavo Stephan tinha 11 anos no dia 11 de janeiro de 1985, quando sua mãe, Mariza, o levou à abertura do Rock in Rio, com o irmão Victor, então com 9, e um amigo de 13.
— Fomos de carro de Ipanema até Nova Ipanema, que na minha visão de criança era depois do fim do mundo — lembra ele. — Lá encontramos mais amigos e pegamos um ônibus para a Cidade do Rock.
Nas lembranças dele, não fazia tanto calor, e impressionavam a quantidade de gente e a escuridão.
— Tenho a impressão de que só havia a luz do palco, forte, que às vezes passava pela plateia — conta. — Mas era tudo muito escuro. Uma loucura a minha mãe ter nos levado naquela idade. E ainda bem, pude ver o Iron Maiden aos 11 anos, na primeira vinda deles ao Brasil.
Apesar da ótima lembrança daquela noite, Stephan não sabe como começou a gostar de Iron Maiden.
— Acho que foi através de amigos, aquelas capas, né? — especula. — Ilustrações de LPs como o “Powerslave” (1984) são sensacionais, lúdicas, fascinantes para uma criança de 11 anos. E tivemos a sorte, por um lado, de ainda não haver celulares. Todo mundo curtia o show, absorvia o que estava acontecendo no palco.
Guitarra de Pepeu
Depois de Ney, as atrações foram o então casal Baby & Pepeu (que, depois de décadas separado, voltou ao palco do festival em 2015, lado a lado) e o Tremendão Erasmo Carlos. Àquela altura ainda não tinha havido muita hostilidade dos fãs de rock pesado contra os artistas da MPB.
— Queríamos mostrar um pouco de cada influência que tínhamos, e que estavam impressas nos nossos shows individuais — conta Baby, que tem lembranças claras do dia. — Temos o lado brasileiro, com as influências de Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, João Gilberto, Jackson do Pandeiro e outros, além do nosso lado roqueiro, pois nascemos com ele. Nós sabíamos que aquela noite era muito roqueira, e estávamos muito tranquilos, até para cantar “Sebastiana”, sucesso de Jackson do Pandeiro.
Ela garante que o casal (certamente turbinado pela guitarra incendiária de Pepeu) foi bem recebido, diferentemente de noites posteriores, em que artistas como Eduardo Dussek e até Rita Lee foram hostilizados pelos fãs de rock pesado (nascia ali a alcunha “metaleiros”, à época pejorativa, hoje inofensiva).
— O público estava extremamente receptivo e muito feliz, assim como nós — conta ela. — Não havia dia melhor do que aquele para estrear no Rock in Rio.
Um lapso: Tim Maia
Roberto Medina garante que, na ocasião, a combinação de nacionais e estrangeiros era o menor dos problemas. Eduardo Dussek x AC/DC, Moraes Moreira x Ozzy, valia tudo (como é comum em festivais pelo mundo).
— Não era uma preocupação nossa, fomos escalando os artistas que tínhamos — lembra Medina. — Na época reclamaram muito de não termos levado o Tim Maia, realmente foi uma falha. Mas as jovens bandas de rock nacionais eram muito verdes, eu não as conhecia direito. Escalei os Paralamas porque o Zé Fortes (histórico empresário do trio) me ligou e ofereceu.
A parte internacional começou com o quarteto britânico Whitesnake, à época pouco conhecido por aqui. Os mais roqueiros sabiam que se tratava da banda de David Coverdale, cantor com passagem explosiva pelo Deep Purple.
— Eu não tinha a menor ideia do que veria e levei um susto, era muito bom! — lembra Gustavo Stephan. — E a banda entrou na última hora no festival, no lugar do Def Leppard, então ninguém teve tempo de pesquisar, com as parcas ferramentas disponíveis da época.
O (então) galã Coverdale, ao lado do guitarrista e homem lindo John Sykes, deixou o público em ponto de bala para o Iron Maiden e seu show de temática egípcia, que promovia “Powerslave”, disco lançado quatro meses antes do festival. Cenários, fogos e o boneco-monstro Eddie (alegria de crianças e marmanjos) apresentaram uma produção inédita por aqui.
Findo o recreio, finalmente o glorioso Queen estreava no Rio, com quatro anos de atraso: em 1981 a banda pediu para tocar no Maracanã, mas não se chegou a um acerto com as autoridades, e Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor acabaram se apresentando apenas no Morumbi, em duas noites.
Mas quais foram os shows que entraram para a História? Pois é. Há 40 anos.
Inscreva-se na Newsletter: Seriais
Inscrever