É precoce a discussão sobre elevação nos juros
Benito Salomão*
Após a divulgação dos dados mais recentes do PIB, que surpreendeu positivamente no 2° trimestre e produziu uma onda de reestimativas da atividade para o ano de 2024, também dos dados do desemprego, que vêm sinalizando as menores taxas da última década, um conjunto de economistas vem alertando para a necessidade de o Banco Central (BCB) elevar juros. Será realmente isso necessário?
Os economistas que sustentam que a política monetária deve passar por um ciclo de aperto, olhando puramente para os dados do produto e do emprego, o fazem baseados na clássica abordagem da Curva de Phillips (CPh), que sustenta uma relação inversa entre inflação e desemprego. Existem alguns problemas em se propor políticas baseadas nessa abordagem teórica. O primeiro deles é que, empiricamente falando, o formato da CPh só é conhecido a posteriori. Portanto, é difícil propor uma política em um determinado momento do tempo quando não se sabe ex ante quais são as reais relações paramétricas entre desemprego, salários reais e inflação.
Um segundo problema relacionado a essa abordagem teórica é que ela vem constantemente sendo revista para incorporar elementos da fronteira do conhecimento. De forma que, entre o artigo inicial de Alban Phillips em 1958 e os atuais modelos que demonstram uma CPh de formato flat, muitos elementos foram incorporados, como o papel das expectativas, das regras de política, das fontes de rigidez nominal e real de preços e salários, entre outros.
Olhando para a política monetária, desde julho do ano passado, o BCB vem reduzindo gradualmente a taxa Selic, que caiu de 13,75% para 10,5%. A inflação nesse mesmo período convergiu para o dentro da meta, em que pese ainda esteja distante do centro. No último mês, o IPCA veio negativo, o que dá um certo alívio para performance de curto prazo desse indicador. As expectativas para o ano colocam o IPCA perto do teto da meta, segundo o último Focus, a inflação esperada para dezembro é de 4,35%. Embora haja riscos para a inflação no médio prazo.
Por exemplo, os efeitos da seca sobre o preço da energia terão impactos prolongados? E o preço dos alimentos como irão performar diante dos choques climáticos recentes? Some a isso o processo de desvalorização do real frente ao dólar que pode repercutir sobre os preços domésticos pelo canal das importações mais caras. A inflação de serviços também pode ser pressionada pelos efeitos do desemprego baixo sobre os salários reais. Todos esses fatores compõem a cesta de riscos inflacionários que podem, em algum momento, se manifestar nos dados.
Enquanto esses fatores estiverem restritos ao campo dos riscos, o BCB não deve mover a taxa de juros. É preciso ressaltar que isso não é um sinal de leniência com a inflação. Os bancos centrais têm à sua disposição dois tipos de instrumentos: os juros são os instrumentos contracionistas, porém há outros, como os comunicados, as atas e os guidances, que são não contracionistas. De forma que a operacionalização da política monetária deve começar pelo uso da segunda família de instrumentos, deixando elevações de taxas de juros apenas para casos estritamente necessários.
Deve-se, ainda, destacar que a política monetária no Brasil já se encontra há bastante tempo no campo contracionista. Segundo estimativas recentes do próprio BCB, a taxa neutra de juros (que iguala a demanda ao PIB potencial) está próxima aos 5%. Mantido o patamar de 10,5% da Selic, e uma inflação prevista de 4,3% para o ano, a taxa real de juros no Brasil hoje é de 6,2% — ou seja, em torno de 1,2% acima da neutra. Essa não é uma dose baixa de contração monetária, e a pergunta que deve ser respondida é: baseado nisso, será que o país precisa de uma dose maior de contração monetária para manter o processo convergência inflacionária para o centro da meta?
Este autor faz parte do grupo de economistas que acredita ser possível manter o processo de desinflação da economia mantendo a taxa de juros nos patamares atuais. Enquanto isso, o Banco Central deve monitorar os riscos já mencionados, se valendo de seus comunicados para dissuadir eventuais pressões inflacionárias oriundas de possíveis choques. Há uma certa dose de açodamento no debate sobre juros no Brasil.
*Professor de macroeconomia no Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia
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