Fumaça das queimadas ofusca intervencionismo do governo Lula sobre setor de energia
A fumaça das queimadas que já duram semanas, sem previsão de alívio à vista, não encobre apenas boa parte do território nacional. Ofuscados pelo fumacê que desafia o governo, sinais de alerta vêm do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), todos apontando para o Ministério de Minas e Energia.
Na pauta do TCU está um relatório sigiloso de 114 páginas que esmiúça a forma como o governo Lula já começou atropelando as recomendações dos órgãos internos e até do conselho de administração da Petrobras para nomear como conselheiros dois secretários do ministro Alexandre Silveira.
De acordo com esses colegiados e com os técnicos do TCU, havia um problema grave na indicação do secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Pietro Mendes, e do então secretário executivo, Efrain Cruz.
Como integrantes do ministério, eles têm a missão de criar leis e decretos e de executar políticas que afetam diretamente os negócios da Petrobras e podem até prejudicá-los. Como conselheiros, têm a obrigação de zelar pelo interesse da companhia — que é controlada pela União, mas tem milhares de acionistas privados, não raros com objetivos diferentes do governo.
Para evitar esse tipo de conflito, em março de 2023 o conselho decidiu que o estatuto da empresa e a Lei das Estatais vedavam a participação deles no cargo. Na época, valia a liminar do então ministro do Supremo Ricardo Lewandowski que suspendeu a quarentena para dirigentes de partidos ou detentores de cargos eletivos, mas os comitês da Petrobras e os técnicos do TCU concluíram que a situação dos “silveirinhas” não era coberta pela medida — que, aliás, já foi derrubada pelo próprio STF.
O governo, porém, usou sua maioria na assembleia para impor os dois e ainda nomeou um terceiro secretário de Silveira — Vitor Saback, de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. Nenhum deles renunciou aos cargos na Esplanada. Mendes virou presidente do conselho, e Saback continua lá. Só Cruz deixou o ministério e a Petrobras, depois de uma disputa até hoje mal explicada com Silveira.
O problema dos conflitos de interesse não é novo. Virou tema de lei depois do trauma do petrolão e do prejuízo de R$ 100 bilhões causado pelo subsídio no preço dos combustíveis que a Petrobras foi obrigada a bancar nos anos Dilma Rousseff.
Neste governo, o intervencionismo na área energética voltou a ser adotado como método. No final de agosto, quase dois meses depois de ter colocado na praça uma Medida Provisória que possibilitou a compra das termelétricas da Eletrobras na Região Norte pela Âmbar, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, Silveira ameaçou intervir na Aneel.
O principal motivo é justamente a demora da agência em editar normas que permitam à empresa dos Batistas assumir também a principal cliente das usinas, a Amazonas Energia — um mico bilionário que só se torna viável com muito subsídio.
O órgão regulador resiste a autorizar a subvenção de R$ 15,8 bilhões que a Âmbar pede — e que seria paga na conta de luz pelos consumidores. Para a Aneel, o limite seria de R$ 8 bilhões. Na segunda-feira, uma decisão da Justiça Federal no Amazonas deu 48 horas para a agência autorizar a transferência do controle da Amazonas Energia à Âmbar, mas ela deve recorrer.
O impasse dificulta a vida dos Batistas, isso é certo. Mas, se o ministro acredita que a Aneel é inepta ou está capturada por algum interesse escuso, é preciso deixar isso bem claro e negociar uma saída republicana. Intervir não só seria algo inédito e impróprio, como levantaria dúvidas legítimas sobre a razão de tanta urgência.
Outro ramo em que o ministro tem pressa é a ampliação da oferta do gás do pré-sal no mercado. Silveira sempre defendeu reduzir a quantidade de gás reinjetado nos poços de petróleo e liberar o insumo para gasodutos. Hoje as petroleiras decidem quanto é reinjetado em cada área, a partir de cálculos complexos de custo e produtividade.
Como não conseguiu convencê-las a mudar esses índices, Silveira editou um decreto autorizando a Agência Nacional de Petróleo (ANP) a fazer isso na base da canetada.
O secretário responsável pelo decreto — o mesmo Pietro Mendes que preside o conselho da Petrobras — afirma que tudo será negociado e que a lucratividade dos campos será respeitada. Pode ser, mas melhor seria que ele não precisasse explicar a qual senhor servirá nesse imbróglio — ao governo ou à Petrobras.
Quem acha que é tudo a mesma coisa ou que tanto faz não aprendeu nada com os erros do passado.
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