A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, era tão próxima de seu chefe de gabinete que os assessores diziam que, se ela alguma vez o despedisse, seria como demitir a si mesma.
Foi o que ela fez na semana passada. A remoção de Aloizio Mercadante e outros ministros importantes mostrou não apenas desespero político em meio ao temor de impeachment, mas também o retorno-surpresa do antecessor e mentor de Dilma, Luiz Inácio Lula da Silva.
O gigante político do Brasil no último meio século, que supostamente tinha se aposentado, Lula tem novamente — por meio de ministros-chave — uma presença central no Palácio do Planalto. Ele está sendo apontado como candidato para 2018.
“O principal objetivo de Dilma é proteger seu mandato, então ela não está fazendo isso porque quer, mas porque precisa”, disse Cristiano Noronha, vice-presidente da consultoria política Arko Advice.
Há apenas alguns meses, Lula estava se distanciando ativamente de Dilma, dizendo a líderes religiosos a portas fechadas estar decepcionado com ela e com a sua liderança do Partido dos Trabalhadores (PT).
Famoso por se aproximar de pessoas comuns e abraçá-las, Lula lamentou que Dilma não tenha podido fazer o mesmo.
Esse foi um ponto baixo no relacionamento entre “o criador e sua criatura”, como os jornais brasileiros se referem a eles. Houve boatos de que eles ficaram mais de um mês sem se falar.
Muitos presumiram que Dilma estava inclinada a demonstrar sua independência, e Lula, a se distanciar de sua sucessora profundamente impopular.
Mas quando Dilma se agarrou a seu pequeno círculo íntimo e o impeachment se aproximou, a dupla começou a ver que seus destinos estavam inextricavelmente ligados.
Dilma começou a prestar atenção aos conselhos de Lula; Lula pediu que o partido apoiasse-a. Ao ceder espaço em seu governo a aliados dele — três ministros, incluindo Jaques Wagner na Casa Civil, Ricardo Berzoini na Secretaria do Governo e Edinho Silva na Comunicação Social — e deixá-los fazer a articulação com o Congresso, Dilma tenta salvar seu mandato dividindo o poder.
“Temos uma santíssima trindade: Dilma, Lula e o PT — eles são inseparáveis”, disse o presidente do partido, Rui Falcão, em entrevista. “Ela e o Lula podem morrer abraçados ou se salvarem juntos”.
Animal político
Os brasileiros reconhecem Lula como um animal político, um negociador natural, capaz de encantar simultaneamente investidores de Wall Street e trabalhadores de salário mínimo. Foi o seu pragmatismo, uma década atrás, que o ajudou a sobreviver a seu próprio escândalo de compra de votos, conhecido como mensalão, e ao temor de impeachment, e posteriormente conseguir a reeleição com maioria esmagadora, um ano depois.
A assessoria de imprensa de Dilma não respondeu a um e-mail em busca de comentário sobre a renovada influência de Lula no Planalto. O Instituto Lula disse que não tinha comentários a fazer.
O Pacificador
O novo chefe de gabinete de Dilma é Jaques Wagner, um confidente de Lula, que substitui Mercadante. Lula se refere a Wagner, ex-governador do estado da Bahia, no nordeste, como “o Pacificador” devido a seu papel na negociação com o Congresso durante o escândalo de compra de votos que quase o derrubou.
Agora, 10 anos depois, a base aliada governista que deveria estar recém-solidificada ainda está protelando votações importantes.
A nova composição do gabinete — que visa a convencer o Congresso a aprovar medidas de austeridade impopulares e evitar o impeachment — foi projetada por Dilma e Lula junto com alguns membros da elite do PT.
Falcão, o presidente do partido, que participou das reuniões, disse que Dilma falou a maior parte do tempo, mas que depois que Falcão e os demais saíram, Lula permaneceu para conversar a sós com sua sucessora.
Uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte de julho mostrou que Lula seria competitivo no primeiro turno em todos os cenários eleitorais apresentados, mas que perderia no segundo turno contra todos os três candidatos mais prováveis do partido de oposição, o PSDB.
Entre os participantes que acompanham as notícias sobre o escândalo de corrupção na Petrobras, cerca de dois terços acreditam que tanto Lula quanto Dilma são culpados.
Na semana passada, o Ministério Público Federal decidiu arquivar um inquérito sobre a participação de Lula em corrupção por falta de provas.
A Polícia Federal, contudo, abriu um inquérito para examinar suposto tráfico de influência do ex-presidente no exterior em favor da gigantesca empresa de construção e engenharia Odebrecht.
Fonte: EXAME