Calendário para pagar emendas parlamentares vai tornar ainda mais difícil para o governo controlar contas públicas

Um dia após o governo anunciar que o déficit fiscal esperado para este ano chegará a R$ 177 bilhões, um rombo equivalente a 1,7% do PIB, especialistas alertam que as mudanças propostas pelo Congresso na gestão das emendas parlamentares ao Orçamento amplificam o risco de desequilíbrio nas contas.

A proposta do deputado Danilo Forte (União-CE), relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, de criar um calendário de destinação de recursos para as emendas tende a tornar o Orçamento mais rígido, dificultando realocações e cortes de despesas.

Para o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e especialista em contas públicas, a ideia tornará o Orçamento mais fragmentado e engessado. Em casos de descumprimento da meta para o saldo primário — o balanço entre receitas e despesas, sem considerar os gastos com juros da dívida — das contas públicas, a equipe econômica será obrigada a cortar recursos de investimentos.

— Na medida em que se aumenta a rigidez no Orçamento, aumenta também a pressão para que a regra fiscal fique mais frouxa, para compensar, porque é preciso garantir o nível de investimentos que o presidente da República quer. O calendário de emendas vai, na prática, aumentar o risco fiscal — explicou Mendes.

A rigidez maior elevará o risco fiscal não só em 2024, mas no médio e no longo prazo, disse Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre):

— O Orçamento vai ficar mais rígido. No futuro, ficará um pouco mais difícil de se abrir espaço para outras decisões, como cumprir determinado resultado (saldo) fiscal.

Moeda de troca

Emendas são a forma como os deputados e senadores destinam recursos do Orçamento aos locais que representam. Hoje, o pagamento da maior parte das decisões tomadas pelos parlamentares em relação aos gastos é obrigatório, mas o ritmo de liberação é definido pelo Palácio do Planalto, que costuma usar isso como moeda de troca em negociações políticas.

A proposta do relator Forte estabelece um calendário de “empenho” — essa é a primeira fase do processo de execução orçamentária; quando um gasto previsto é empenhado, fica garantido que aquela compra ou contratação de serviço será paga — ao longo do ano, independentemente da vontade do governo.

Assim, cada parlamentar saberia previamente quando o recurso para sua emenda seria liberada.

Pires lembrou que a rigidez do Orçamento já vinha aumentando ano a ano, em parte porque o valor destinado às emendas ganhou espaço e porque esses gastos se tornaram, em proporção cada vez maior, obrigatórios.

Para o ano que vem, o Congresso tenta aumentar para R$ 46 bilhões o valor das emendas. Isso equivale a quase um quinto do que o Executivo pode gastar livremente, ou a 75% do previsto para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em 2014, as emendas somaram R$ 8,6 bilhões.

Segundo Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de assessoramento do Senado, um calendário para o pagamento das emendas parlamentares adicionará “complexidade” ao desafio de zerar o rombo das contas públicas.

— As emendas parlamentares são impositivas, mas podem ser contingenciadas — afirmou a especialista, lembrando que a proposta inserida na LDO pode ter o objetivo justamente de evitar um contingenciamento, que é o corte emergencial de gastos no Orçamento do ano corrente. — A meta fiscal tem um risco elevado de descumprimento. Esse item adiciona complexidade.

Eficiência ameaçada

O avanço das emendas no Orçamento também tira eficiência dos gastos, segundo os economistas ouvidos pelo GLOBO. Mendes fez um levantamento entre países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e diz que o Brasil — que tenta ingressar no grupo — é o único que tem emendas parlamentares obrigatórias.

— A execução do Orçamento cabe ao poder Executivo. O que estamos vendo no Brasil não existe em nenhum país — afirmou Mendes, destacando que, com as emendas, o Executivo perde capacidade de planejamento e as políticas públicas ficam pulverizadas. — Se um parlamentar, por exemplo, determina que se deve construir um hospital em determinada área, perde-se a lógica da rede de atendimento, que é formulada pelo Executivo. Onde construir um posto de saúde? Cada parlamentar pinga o projeto que quer, sem que isso tenha conexão com o todo — afirmou Mendes.

Conforme o economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do FGV Ibre e especialista em contas públicas, a falta de planejamento com os gastos nas emendas equivale a “jogar recursos pela janela”. Para piorar, as emendas “representam uma perversão da democracia, em que a lógica política individual colide com a lógica coletiva, ou seja, o interesse nacional”.

— Cada vez que, num desastre natural, morre gente no Brasil nas chuvas de janeiro por falta de recursos para um programa nacional de prevenção de desastres, na outra ponta há um ginásio sem sentido, de R$ 5 milhões ou R$ 10 milhões, erguido num município pequeno sem qualquer lógica de integração nacional —afirmou Giambiagi.

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