COP28: ‘Combustíveis fósseis devem ser relegados à História’, diz comissário para a Ação Climática da UE

“Informes após informes, incluindo o último relatório de avaliação da ONU, mostram que o mundo não está indo pelo caminho certo”, destacou o ex-chanceler holandês Wopke Hoekstra, novo comissário para a Ação Climática da União Europeia (UE), que promete que o bloco comunitário “trabalhará para alcançar o maior nível de ambição possível em Dubai”, onde na próxima semana começa a COP28, considerada a cúpula climática mais relevante desde a de Paris.

Nomeado há um mês e meio em substituição ao seu compatriota Frans Timmermans (que retornou ao país para competir nas eleições desta semana), Hoekstra já visitou uma dúzia de países, incluindo latino-americanos, para preparar o terreno para o que serão debates complexos: como descarbonizar as economias e como financiar as medidas de mitigação e adaptação, as mesmas que, segundo o relatório mencionado pelo comissário (o Global Stocktake, ou Balanço Global), estão avançando muito lentamente.

“Na COP28, a União Europeia tentará mobilizar o apoio de nossos parceiros para adotar a transição para uma energia limpa e eliminar progressivamente os combustíveis fósseis. Para continuar com os objetivos climáticos que todos concordamos em Paris (na COP de 2015) e deixar um planeta habitável para as próximas gerações, devemos avançar para um mundo essencialmente livre de combustíveis fósseis. Queremos progredir neste caminho em Dubai, impulsionando um duplo objetivo de triplicar a capacidade instalada de energias renováveis e duplicar a economia de energia em todo o mundo”, comenta nesta entrevista por escrito com o Grupo de Diários América (GDA).

Hoekstra assegura que “a UE leva a sério a ação climática e está cumprindo suas promessas”. A prova disso, destaca, é que, no âmbito do seu Pacto Verde, o bloco avança na redução de suas emissões “pelo menos 55% até 2030”, promovendo energias renováveis de produção própria e melhorando sua eficiência. “Nossos modelos de projeção mostram que a UE poderia reduzir suas emissões líquidas em cerca de 57% em relação a 1990”, acrescenta.

Embora admita que, no contexto da crise energética decorrente da guerra na Ucrânia em 2022, tenha sido usado “um pouco mais de carvão no bloco para substituir o gás” russo (que deixou de ser comprado), foi uma medida “de curto prazo” que não afetou as metas nacionais em relação à eliminação do carvão.

Pelo contrário, diz, “transformamos a crise energética em uma oportunidade para acelerar a transição para energias limpas”, que cresceram “mais rápido do que se pensava possível”, por exemplo, em painéis solares (60% a mais do que em 2021) e em energia eólica (que aumentou 45%); enquanto os esforços de “cidadãos e indústrias” resultaram em uma queda na demanda de gás em 18%.

“Ao mesmo tempo, trabalhamos para diversificar nossas importações de energia, tanto para o gás que precisamos a curto prazo quanto para as matérias-primas e o hidrogênio que precisaremos a longo prazo. Com o Chile, por exemplo, recentemente assinamos um acordo de cooperação sobre matérias-primas sustentáveis”, indica.

As contribuições totais da UE e de seus países membros para o financiamento climático em 2022 superaram € 40 bilhões. Aprovadas pelo Conselho Europeu em preparação para a COP28, essas contribuições representam um avanço significativo em relação a anos anteriores. Elas fazem parte do compromisso dos países desenvolvidos de mobilizar coletivamente US$ 100 bilhões por ano até 2025.

Os combustíveis fósseis e a influência das indústrias do setor têm sido objeto de polêmica, afinal, o presidente designado da cúpula pertence a essa indústria. O senhor mesmo, há alguns anos, trabalhou nesse setor. Mas talvez desses questionamentos surja uma oportunidade para trabalhar com a indústria que mais contribui para a geração de emissões (e que também proporciona importantes receitas para vários países da América Latina). O que o senhor considera exigível e que compromissos espera obter disso?

Muitos olhos estão voltados para os Emirados Árabes Unidos e para Sultan al-Jaber devido ao seu papel de presidência da COP28. Há grandes expectativas em torno desta COP, e com razão, porque o espaço para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC está se fechando rapidamente (…).

Recentemente, encontrei-me com al-Jaber e sua equipe, e acredito que eles estão muito cientes da pressão para atender às expectativas. Isso é verdade para todos os temas discutidos em Dubai, e talvez ainda mais para a mitigação ou redução de emissões. O mundo precisa de uma COP bem-sucedida, que não deixe nenhum país para trás e nos coloque a todos no caminho certo para a implementação do Acordo de Paris. Isso significa reduzir as emissões, e rápido.

Aqui é onde entram os combustíveis fósseis; eles devem se tornar História o mais rápido possível. Algumas grandes empresas de petróleo conhecem há muito tempo as implicações diretas de suas atividades poluentes sobre as mudanças climáticas e têm tentado ocultar as evidências. Isso aumenta ainda mais a responsabilidade delas de contribuir para resolver a crise climática.

Acredito que devemos envolver a indústria de combustíveis fósseis precisamente nesse sentido. Quando me encontro com eles, quero ouvir soluções, não desculpas. E sei que eles têm soluções, porque seu conhecimento no campo de energia é extremamente útil na transição global de energia.

Acredito que isso também se aplica ao presidente da COP28. Como alguém do setor de energia, ele realmente pode fazer seus colegas entenderem que esta indústria precisa se adaptar à nova realidade: abandonar os combustíveis fósseis e apostar nas energias renováveis.

Outro ponto-chave na cúpula será o financiamento para adaptação e mitigação climática, uma demanda crucial dos países em desenvolvimento, como os da América Latina. Até que ponto a UE está disposta a ir neste aspecto, cujas bases gerais foram estabelecidas na COP27?

A UE contribuiu decisivamente para criar o Fundo de Perdas e Danos estabelecido no ano passado (na COP27 em Sharm el-Sheikh); e este ano queremos garantir que ele entre em funcionamento. É importante que o fundo apoie os mais vulneráveis e que todos os países que possam contribuir o façam. No início de novembro, os negociadores conseguiram um avanço significativo que torna isso possível.

Como representante da UE, estou preparando o terreno para obter apoios que ajudem a lançar este fundo na COP28. Mas também tenho que ser franco. Não podemos sair de Dubai sem uma maior ambição em relação à mitigação das mudanças climáticas; simplesmente porque não há quantia de dinheiro que possa compensar os danos que ocorreriam se ultrapassássemos os objetivos do Acordo de Paris. Basta ver o que já está acontecendo com o aumento da temperatura global de 1,2°C.

No que diz respeito à relação com a América Latina, em que setores ou de que forma a UE está interessada em cooperar em questões climáticas na região? Os incentivos econômicos, como impulsionar incentivos fiscais, financeiros ou até mesmo a troca de dívida pela implementação de medidas concretas de descarbonização, parecem benéficos?

A América Latina e a União Europeia são parceiros naturais em questões climáticas. Estive recentemente no Brasil e no Chile, e também me reuni com outros ministros, como o da Costa Rica, por exemplo. Posso dizer sinceramente que não há nenhum continente que pense de maneira mais similar a nós. Portanto, quero que trabalhemos muito de perto e impulsionemos juntos uma maior ambição e ação climática mais rápida.

Também somos parceiros na transição para uma energia limpa e na proteção e conservação da biodiversidade. Já mencionei a parceria de matérias-primas críticas com o Chile, também estamos colaborando no desenvolvimento de hidrogênio renovável, e a UE está pronta para contribuir com € 20 milhões para o Fundo Amazônia.

Através do Global Gateway, nosso plano de investimento internacional, a União Europeia investirá € 10 bilhões na América Latina e no Caribe, grande parte dos quais será destinada a projetos que apoiem a transição ecológica. Trocas de dívida não são nossa primeira opção, mas certamente fazem parte das possibilidades, como evidenciado no recente acordo entre Barbados, a Comissão Europeia e o Banco Europeu de Investimento.

Nos últimos anos, experimentamos fenômenos climáticos extremos em diferentes partes do mundo, que tiveram impactos em questões como migrações e segurança alimentar. O senhor acredita que o componente de risco geopolítico está suficientemente bem calibrado na conversa global? Como a UE está lidando com isso?

Os efeitos das mudanças climáticas já estão aqui e estão se tornando cada vez mais intensos. Não importa onde você mora, todo o mundo está sentindo o impacto (…). A ciência nos diz que o risco continuará aumentando ao longo das próximas duas décadas.

Isso significa que, além de reduzir as emissões, precisamos nos preparar para os crescentes impactos das mudanças climáticas. No verão passado, apresentamos uma análise de como fenômenos climáticos extremos e escassez de água ameaçam a saúde e o bem-estar da Humanidade, e como, por sua vez, podem gerar deslocamentos, migrações ou afetar a segurança alimentar. No início do próximo ano, apresentaremos uma Avaliação Europeia de Riscos Climáticos para analisar a exposição das pessoas, de nossa economia e de nossa natureza aos riscos climáticos.

Onde já existirem soluções, seja com base na natureza ou de outra forma, teremos que implementá-las o mais rápido possível. Onde ainda não as tivermos, teremos que redobrar esforços para encontrá-las. Em todo o mundo, apoiaremos nossos parceiros para fazerem o mesmo: metade do financiamento climático fornecido pela União Europeia e seus Estados-membros já é destinada à adaptação. Continuaremos nesse caminho e buscaremos maneiras de aumentar nosso apoio.

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