Como narcotráfico avançou na 3ª maior cidade argentina e leva Milei a avaliar ação do Exército

A cidade de Rosário, a 300 quilômetros de Buenos Aires, na província de Santa Fé, é a terceira maior da Argentina e durante décadas foi conhecida por ser o berço de algumas das figuras mais proeminentes da história argentina, de Che Guevara a Lionel Messi.

É também um lugar de importante simbolismo patriótico, já que lá está o Monumento à Bandeira, no lugar onde Manuel Belgrano, o autor da bandeira, a hasteou pela primeira vez.

Nos últimos anos, no entanto, Rosário deixou de lado a fama ilustre para ficar conhecida como a cidade mais perigosa da Argentina.

A onda violência aumentou nos últimos dias com os assassinatos a sangue frio de um jovem trabalhador de um posto de gasolina, dois taxistas e um motorista de ônibus, todos mortos a tiros, e aleatoriamente.

Diferentes dados apontam que Rosário tem atualmente a maior taxa de homicídios da Argentina.

Em 2023, o Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Insegurança e Violência da Universidade de Tres de Febrero concluiu que em 2020 a cidade teve 16,4 mortes para cada 100 mil habitantes.

O índice é superior ao da favela mais perigosa de Buenos Aires, a Villa 31, onde foram registradas 12,9 mortes violentas no mesmo ano.

De acordo com o Observatório de Segurança da empresa Verisure, no ano passado Rosário também foi a cidade que mais delitos registrou no país.

Por trás desses números, está o que transformou a vida de muitos rosarinos em um pesadelo: o tráfico de drogas.

O jornalista do jornal La Nación Germán de los Santos disse à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, que Rosário tem “uma taxa de homicídios quatro vezes maior que a média nacional” devido a “uma disputa entre facções pelo controle do tráfico de drogas na cidade”.

O violento negócio da venda de drogas é uma consequência do fato de que Rosário, principal porto agroexportador da Argentina, está estrategicamente localizada sobre uma dos principais rotas de transporte do país, a Hidrovia Paraguai-Paraná.

Além de servir para escoar soja e outros itens, o canal também é usado para contrabandear drogas, em especial a cocaína, com destino à Europa e Oceania.

“Há mais de 30 portos na área, o que fez de Rosário uma cidade onde a droga pode circular amplamente. E isso impulsionou a luta pelo controle do tráfico para a venda interna”, observou Santos.

‘Uma anomalia narco’

Mas a localização não é a única razão que explica Rosario ter um problema de tráfico de drogas muito mais grave do que o de outras cidades argentinas, incluindo os subúrbios mais pobres da província de Buenos Aires, a área mais populosa do país.

De acordo com a jornalista do jornal Clarín, Virginia Messi, também não se deve ao “volume de drogas que é movimentado nas ruas”.

Para Messi, Rosário é “uma anomalia narco” pela “extrema violência” exercida por aqueles que dividem o microtráfico, e “a falta de controle” existente, com “mais de 30 facções” operando e extorquindo, apesar de seus líderes estarem presos.

“Todos e cada um dos chefes do narcotráfico da cidade – com Ariel “Guille” Cantero (35), Esteban Lindor Alvarado (44), e Julio Andrés Rodríguez Granthon (30) à frente – estão presos há anos”, diz a jornalista, citando o líder da maior facção de Rosário, Los Monos, e dois de seus rivais.

No entanto, assim como o que acontece com grupos criminosos em outros países, como o Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC) no Brasil, chefes do tráfico seguiram dando ordens de dentro da prisão.

Enquanto isso, Rosário mergulhou em uma “caótica” disputa territorial entre facções que, sem grandes organizações hegemônicas, disputam o controle do microtráfico em um bairro ou uma área pontual, de acordo com uma investigação realizada pelo Ministério Público da Acusação de Santa Fé em 2022.

E foram essas disputas e confrontos que multiplicaram as mortes, observa o relatório.

Plano Bandeira

Como assunto tem sido tratado, com chegada ao poder do atual governador de Santa Fé, Maximiliano Pullaro, e do presidente Javier Milei, que nomeou como sua ministra de Segurança sua ex-rival política Patricia Bullrich, que já havia exercido o cargo durante o governo de Mauricio Macri?

Depois de assumir em dezembro, tanto as autoridades provinciais como as nacionais implementaram uma série de medidas para, segundo elas, pôr fim à violência do tráfico de drogas.

No dia em que assumiu, Pullaro anunciou “um plano de contingência e emergência operacional, que vai despejar todos os recursos disponíveis para a prevenção nas ruas”.

“Vamos intervir progressivamente em oito bairros de Rosário e quatro de Santa Fé, através de uma ação estatal conjunta para reduzir a violência, atacar a venda de drogas e restabelecer a paz social”, disse.

Ele também disse que não permitiria mais que os chefes das facções operassem de dentro das prisões. “Vamos acabar com o home office dos criminosos a partir dos locais de detenção”, afirmou.

Alguns dias depois, em meados de dezembro, ele acompanhou Bullrich no lançamento do chamado Plano Bandeira, uma força-tarefa em que as forças federais trabalham junto às forças provinciais para combater o crime organizado.

O plano também prevê a criação de pavilhões de segurança máxima para separar “assassinos e traficantes” dos “presos comuns”, e celas de isolamento para os réus mais perigosos, e inclui inspeções periódicas nas prisões em busca de celulares clandestinos.

No início de março, o governador Pullaro divulgou imagens que mostravam uma inspeção surpresa. As fotos, que remetiam a imagens das prisões de El Salvador sob o governo de Bukele, mostravam presos com o tronco nu, com as mãos atadas, sentados no chão, olhando para baixo e cercados por policiais armados.

Pullaro, que em janeiro disse que teve que se mudar com a família devido às repetidas ameaças de morte recebidas, publicou as imagens com a legenda: “Vai ser cada vez pior”.

Foram essas ações, consideradas excessivas por alguns, que teriam levado facções a ordenar os assassinatos aleatórios ocorridos nas últimas semanas. Uma mensagem escrita à mão deixada ao lado de uma das vítimas ameaçava “matar mais inocentes” se os presos não fossem autorizados a sair do isolamento. “Queremos os nossos direitos. Ver os nossos filhos e família”, dizia o bilhete.

Apesar da escalada da violência, as autoridades afirmam que as medidas estão sendo bem-sucedidas.

No final de fevereiro, Bullrich disse que dois meses após o início do Plano Bandeira, os homicídios cometidos nas vias públicas de Rosário caíram 57%.

Envio de militares

Após os últimos casos, o governo nacional argentino lançou nesta semana um comitê de crise e anunciou o envio das Forças Armadas para Rosário para fornecer suporte logístico e tático a todas as forças federais que já estão operando.

“Hoje já estamos falando de narcoterrorismo”, disse a ministra da Segurança ao apresentar o plano.

Segundo a legislação argentina, os militares podem fornecer ajuda logística dentro de suas fronteiras, mas só podem intervir ativamente em caso de ameaças externas.

Milei disse que está analisando a possibilidade de expandir a atuação do exército em Rosário.

“Estamos avaliando enviar (ao Congresso) uma nova Lei de Segurança Interna que permita que as Forças Armadas possam tomar algumas ações adicionais”, disse ele durante uma entrevista para a Crónica TV.

Embora Pullaro tenha se mostrado a favor dessa opção, e o resto dos governadores tenham expressado forte apoio às ações que os governos provinciais e nacional vêm tomando em Rosário, a possibilidade de expandir o escopo de atuação do exército, se o projeto de lei seguir adiante, causa polêmica.

Há quem veja com preocupação que os militares voltem a exercer a força dentro do país, após as violações de direitos humanos que muitos de seus integrantes cometeram durante os “anos de chumbo”, nas décadas de 70 e 80 (crimes que continuam a ser julgados hoje).

Mas, segundo a imprensa local, os próprios militares também teriam questionado a possibilidade de intervirem em Rosário, por medo de que eventualmente possam enfrentar acusações caso se considere que agiram mal.

Nesse sentido, a ministra Bullrich anunciou a implementação de um regulamento geral para o uso de armas pelos membros das Forças Federais de Segurança.

De acordo com um comunicado do governo, a ministra disse que o novo regulamento prevê que “as armas podem ser usadas em situações de perigo iminente de morte do próprio agente ou de cidadãos diante de um ataque, para impedir que um delito grave seja cometido, quando um criminoso impuser resistência à autoridade ou para impedir que ele fuja”.

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